07/03/2012

Os novos desafios da produção de vídeo no Brasil: uma trilogia. (parte 2)


Nessa série de três artigos vamos discutir os novos desafios para as pequenas e médias produtoras independentes de conteúdo. Uma categoria, agora definida por lei, que por enquanto não saiu do papel, mas que pode representar uma esperança para milhares de pequenos empreendedores em todo Brasil, que há décadas lutam por sobreviver em um mercado marcado por contrastes e desigualdades.

Para facilitar a leitura, optamos por dividir o texto em três partes. Na primeira parte foi apresentado um pouco da história e das condições atuais da categoria.  Nessa segunda parte falaremos das mudanças no cenário da produção de conteúdo independente, publicidade para televisão, produção para cinema e o impacto e desafios para as produtoras de conteúdo . Na terceira e última parte vamos falar sobre as novas tecnologias disponíveis e sua importância para a sobrevivência das pequenas e médias produtoras.

Vai uma cartelinha aí? Na minha mão é mais barato...

A foto postada por um amigo da área em um site de rede social, da qual não sabemos a autoria ou dados do anunciante, exemplifica bem a situação em que se encontram a maioria da empresas do setor de audiovisual. Falo mais especificamente das pequenas produtoras. Muitas na quase clandestinidade, pois mesmo tendo registros como microempresas ou firmas individuais, vivem a margem do sistema.


Não é nossa intenção de maneira alguma ridicularizar, segregar ou menosprezar a importância de profissionais como o que colocou a tabuleta, provavelmente na porta de usa casa em algum bairro de uma cidade qualquer desse nosso imenso e multicultura país. O direito ao trabalho e mais que isso, no caso da atividade de produção de cinema ou vídeo, o direito a livre expressão artística é uma conquista universal do ser humano.



Provavelmente o cidadão que executa os trabalhos oferecidos na modesta placa, o faz cheio de boa vontade, com seriedade profissional, com a melhor qualidade técnica dentro das possibilidades de seus equipamentos e, principalmente, com a esperança de construir um futuro melhor para sua vida e sua família. Isso é o que sonhamos todos nós, trabalhadores honestos de qualquer segmento profissional.

A criatividade do brasileiro, da qual a placa pendurada no poste é prova, não tem limites e não se cansa nunca de continuar tentando.

No texto anterior, discutimos um pouco dos principais problemas de nossa categoria, através de uma breve contextualização histórica.  Achamos necessário faze-lo para podermos discutir as mudanças que agora, sessenta anos depois, nos desafiam a pensar novos rumos. A nossa tabuleta pregada ao poste nos aponta uma ponta do novelo. Vamos começar então por ela.

Citei o problema do crescimento horizontal, onde existe a tendência, principalmente nas empresas iniciantes e de pequeno porte, de um excesso de oferta e de tentativa de atuação em muitos segmentos de mercado. Como a placa diz, essas pequenas produtoras oferecem do documentário ao book de fotos, passando pelo curta, pelo longa, eventos sociais e o que mais possa ser executado com conteúdo de vídeo e áudio.

No topo de dessa pirâmide empresas com mais tempo no mercado e geralmente de médio e grande porte, tendem a selecionar mais as atividades, se especializando em uma ou duas categorias. Geralmente se dedicam a produção cinematográfica e aos comerciais de televisão para grandes anunciantes. Esses orçamentos mais generosos conseguem cobrir os custos de funcionamento mais elevados dessas empresas. 

Não é nossa intenção sugerir que o cinema, por exemplo, deva ser realizado apenas por grandes produtoras. A recente digitalização dos equipamentos e as incursões de alguns diretores em formatos que privilegiam mais a criatividade do que o excessivo rigor técnico, permitem a pequenos produtores a possibilidade de realizar com êxito comercial produções de baixo orçamento. O que limita mais essa possibilidade é a falta de tempo do que os recursos.

Curiosamente o chamado cinema de guerrilla ou indie movie é quase sempre realizado por diretores e donos de pequenas produtoras, que por sua vez se dedicam mais ao cinema de arte e ao curta metragem. Sobrevivem realizando pequenos trabalhos para outros colegas ou trabalhando em regime de free lancer para produtoras maiores, como forma de obter recursos para suas próprias produções. É muito utilizado também o sistema de mutirão.

Nas pequenas produtoras onde o foco está na prestação de serviços, quanto maior o número de clientes  e mais diversificadas as modalidades oferecidas, quase nunca há tempo ou motivação para a realização de projetos próprios. O tempo desprendido com esses trabalhos e o retorno financeiro baixo acaba por manter essas empresas longe da produção de conteúdo independente.

Sem a experiência necessária e sem portfólio adequado, essas empresas não conseguem credibilidade suficiente para trabalhar em projetos maiores e quase sempre são preteridas nas seleções para patrocínio financeiro. Também não conseguem furar a barreira do fornecimento de serviços ao governo por distorções nos modelos de contratação, que geralmente deixam a cargo das agências detentoras das contas de publicidade a contratação e terceirização das atividades de produção. Estas por sua vez preferem não se arriscar contratando empresas pequenas e sem experiência na área.

Outra ameaça ao congestionado mercado das pequenas produtoras são os profissionais independentes. Com a facilidade da edição de vídeos em computadores domésticos e mesmo em notebooks e a versatilidade das novas câmeras fotográficas digitais, capazes de filmar com qualidade razoável, esses profissionais passam atuar de forma independente.  Não se trata de negar o direito destes à livre iniciativa. Mas apenas de enfatizar que essa modalidade de atuação no mercado acaba por dificultar ainda mais a sobrevivência da equipe multidisciplinar agregada ao redor de um pequeno negócio.

Essa característica acaba por dificultar o surgimento e a sobrevivência de pequenos núcleos de produção de conteúdo, já que a atividade de criação para cinema ou televisão é essencialmente uma atividade de grupo.  Mesmo micro produções como a filmagem de um evento social ou um vídeo institucional de pouca complexidade exigem uma equipe mínima.

Ainda nesse aspecto, podemos agora abordar o  tema que nos inspirou a dar o título desse texto: o comercial de varejo de baixo custo comumente conhecido como cartela. Essa forma de filme comercial ainda sobrevive mesmo após sessenta anos de sua criação. O próprio nome faz referência as cartelas de papelão, que eram geralmente confeccionadas a mão, por um desenhista arte-finalista e exibidas na frente da câmera, enquanto o apresentador ou a garota propaganda tentava convencer o telespectador das qualidades do produto anunciado.

Trata-se da forma mais primitiva de propaganda televisiva, antecedendo mesmo ao comerciais ao vivo, que ainda hoje podem ser vistos em programas de auditório que felizmente, apesar do gosto duvidoso e da falta de conteúdo, ainda sobrevivem na televisão. Falamos felizmente porque essa modalidade de conteúdo, hoje na maioria dos casos gravada previamente e não mais ao vivo, é a própria essência da televisão, no que esta herdou do rádio: a comunicação direta e pessoal com o telespectador. Mas esse assunto é longo e ficará para um próximo post.

Votando à cartela, que já foi tema de perguntas de alguns leitores do nosso blog, que nos questionavam porque falávamos tão mal dela (no que temos que confessar que é uma percepção totalmente correta!), podemos dizer que hoje, além de anacrônica e ultrapassada, essas forma de propaganda tira o trabalho de milhares de artistas e técnicos e impede o desenvolvimento estético e financeiro das produtoras que as realizam.

Alguns podem até argumentar que dão lucro, pois o custo é baixo, que são uma forma de sobrevivência e que dão a muitos anunciantes pequenos  a possibilidade de estarem em contato com seus clientes através da televisão. Mas infelizmente são meias verdades. O valor pago pelas agências de publicidade às produtoras é cada vez menor. Essas próprias agências já estão produzindo esses comerciais, dispensando a contratação de produtoras.

Mesmo a recente medida da ANCINE estabelecendo que apenas empresas, que possuam em sua constituição social, atividades de produção audiovisual possam se cadastrar no sistema gerador de autorização para exibição, não impedirá que estas, em pouco tempo, modifiquem seu estatuto social de forma a incluir a produção de vídeo como atividade secundária. Mais uma vez temos que afirmar não ser nossa intensão criar reservas de mercado ou impedir o livre exercício da atividade de produção por quem quer que seja.

O comercial de cartela não deve ser banido pura e simplesmente. Existem até comerciais executados apenas com recursos de gráficos animados por computação que são razoavelmente bem elaborados. Proibir pura e simplesmente é cercear o direito de criação e livre expressão. O que é mais importante é estabelecer normas e padrões de qualidade. E isso deveria ser feito principalmente pelos conselhos de auto regulamentação publicitária, pelas  redes de televisão que exibem os anúncios e pela sociedade civil sempre que se sentir afetada. Como acontece, inclusive com comerciais tradicionais, as vezes com produção refinada e alto orçamento, que de alguma forma ofendem os princípios éticos e morais da sociedade e são sumariamente retirados do ar.

O comercial de cartela, fora raras e honrosas exceções, prejudica o próprio anunciante, muitas vezes criando o efeito contrário ao esperado, empobrece a grade de programação do exibidor, chateia e afugenta o telespectador fazendo aumentar o zapping, tira empregos e principalmente sabota a produtora que o executou. A produção de um comercial bem elaborado,  com atores e todo o restante da produção cênica é o melhor aprendizado e oportunidade de exercício das habilidades necessárias a produção de qualquer outro tipo de conteúdo, seja para cinema ou televisão.

Muitos diretores de cinema, aclamados pelo público e pela crítica, começaram suas carreiras dirigindo comerciais. Outros já declararam inclusive que gostam de dirigir comerciais como forma de exercício criativo, pois a complexidade de refinamento técnico e estético de um comercial bem elaborado, muitas vezes é um desafio maior para a equipe que o realiza, do que para fazer um longa metragem.  Geralmente com tempo de produção pequeno, o comercial dá a chance ao quadro técnico de uma produtora de experimentar mais idéias novas e soluções estéticas do que teriam com a realização de um único filme ou programa para televisão.

A janela de oportunidades que nosso segmento profissional está atravessando agora não deve ser desperdiçada. O Brasil está vivendo um período de crescimento sustentável, chegando ao posto da sexta economia global. A diminuição da pobreza fez surgir uma gigantesca classe consumidora. Os setores de indústria, comércio e prestação de serviços podem e precisam gastar dinheiro com publicidade. O aumento do nível de escolaridade e a modificação de hábitos de consumo faz o telespectador querer assistir propagandas de qualidade.

A tática de atirar as peças de bacalhau à plateia, como fazia Chacrinha, O Velho Guerreiro, já não surtirá tanto resultado. A nova classe média quer e pode comer bacalhau sim, mas está também refinando seus hábitos. Não quer e não deve ser tratada como a claque do Chacrinha, que disputava aos tapas o peixe atirado para poder ter a oportunidade de experimenta-lo pela primeira vez na vida.

A nova lei da televisão a cabo que está passando pelo processo de regulamentação vai abrir uma grande janela de oportunidade, pois determina a criação de um mercado regional e independente de produção de conteúdo, restringindo inclusive a possibilidade de produção deste pelas próprias exibidoras e fornecedoras de pacotes.  Entre as formas de incentivo dessa produção estão previstas inclusive cotas de financiamento à produção diferenciadas de acordo com a localização geográfica dos produtores de conteúdo.

Na área de cinema, a modernização e ampliação das salas de exibição, visando atender ao aumento de espectadores, principalmente na classe C, prevê a construção de milhares de cinemas digitais em praças que hoje não dispões de uma sala sequer. Esse novo público é mais aberto a produção regionalizada e popular pois, mais que produtos de prateleira estrangeiros, quer se ver na telona. Tal qual se vê nas novelas, o  produto de maior sucesso da televisão brasileira, que vem mudando sua forma original, de folhetim melodramático, para os textos ágeis e focados na realidade do povo brasileiro.

A internet é outro campo ainda pouco explorado pelas empresas e anunciantes brasileiros. Mas já existem estudos mostrando o interesse destes por um tipo de produção  multimídia mais refinado. Um exemplo clássico e pioneiro foi a realização, pelo fabricante de automóveis BMW, de oito filmes de curta duração, entre 2001 e 2003, com direção de pesos pesados do cinema. Os filmes, todos estrelados por Clive Owen, custaram cerca de US$ 25 milhões, um verdadeiro escândalo na época, mas renderam a empresa um aumento de 12% nas vendas e foram vistos por mais de 100 milhões de vezes. E ainda hoje, dez anos depois, ainda continuam atuais e atrativos ao espectador.

Esse vasto mercado ainda permanece inexplorado e adormecido, tanto no Brasil como no mundo e fora esparsas iniciativas, ainda não foi explorado em todo o seu potencial. Trata-se de uma possibilidade quase infinita de oportunidades para agências de publicidade, diretores consagrados e estreantes e para o mercado de produção de vídeo. O modelo tem retorno garantido por tratar-se de um produto que o mercado chama de cauda longa, por oferecer desdobramentos e possuir vida longa.

Mas todas essas oportunidades em diversos seguimentos da produção audiovisual requerem duas mudanças de paradigma entre os players envolvidos.
A primeira é a segmentação do mercado através da verticalização, principalmente no lado da produção. Cada empresa, seja pequena, media ou de grande porte deverá procurar seu nicho de mercado. Isso implica em focar as atividades não apenas no tipo de segmento de mercado, mas também na especialização dos serviços.

Não dá mais para querer fazer barba, cabelo e bigode. Se determinada produtora vai optar, por exemplo, pela criação de conteúdo para televisão, isso não significa que ela deva imediatamente montar um estúdio e adquirir todo o equipamento necessário. Ela pode focar apenas em produção executiva, ou prospecção e avaliação de novos produtos ou seleção de roteiros. Pode se especializar em fornecimento e operação de maquinário e movimento, ou cenografia e iluminação de set. As possibilidades são infinitas.

Esse processo deve ser orientado do macro para o micro. Mas também deve levar em consideração outros fatores como potencial do mercado local, expertise principal dos integrantes da equipe e a própria percepção dos clientes potenciais quanto aos pontos fortes e fracos da empresa. Na macro avaliação deve ser decidido em que mídia ou mercado a empresa irá atuar. Isso não significa que uma empresa que se especializou em eventos sociais, mas por vontade e anseios dos proprietários e mesmo dos colaboradores queira migrar para o mercado de vídeos para a internet.

Escolhido esse macro seguimento, chega a vez de caminhar ao detalhe. Dentro da área escolhida, onde você vai atuar? Que áreas você vai terceirizar através de compra direta, parcerias ou associações? Esse micro avaliação não é menos importante que a macro. Pelo contrário. Quanto mais se refina a seleção mais fatores entram na ponderação da escolha. Essa é uma etapa complicada, principalmente a pequena e média produtora, acostumada pelas dificuldades de mercado a geralmente  executar todo o processo de produção. As empresas maiores, e talvez nisso resida o seu sucesso, costumam terceirizar mais, mantendo in site apenas as atividades-chave do processo.

Não temos reservas em reconhecer por exemplo, em nossa produtora, que durante anos uma crítica que fazíamos aos concorrentes – de não investirem em equipamentos – se mostrou equivocada. Nos levou a formar um patrimônio considerável em meios físicos de produção, investir somas consideráveis, tempo e energia nessa atividade nos desviando de outras que ficaram em segundo plano. É certo que existe um nível mínimo, confortável e necessário de insumos tecnológicos que uma produtora deve possuir. E isso depende, conforme dito antes do foco principal. Mas querer resolver todo o processo com tecnologias e equipamentos próprios, apesar de tentadoramente ilusório no que diz respeito a diminuição de custos de curto e médio prazo, pode se revelar um desperdício de capital a longo prazo.

Isso porque na última década principalmente, as mudanças tecnológicas e a consequente obsolescência de equipamentos e métodos de trabalho, fizeram quase todo o mercado perder muito dinheiro. Basta recordar o caso dos equipamentos Sony Betacam. Tidos como a quintessência em termos de qualidade e durabilidade, com custo elevadíssimo, reinaram durante quase trinta anos e em pouco mais de três anos se tornaram completamente obsoletos.

Mas esse é um assunto para o terceiro e último artigo dessa série. O tentamos ressaltar nesse segundo texto é a absoluta necessidade de uma mudança. A saída da zona de conforto em que todos nós nos acostumamos é necessária e vai significar o sucesso ou o fracasso de muitas pequenas e médias produtoras. A forma de produzir conteúdo mudou e ainda vai mudar mais nos próximos anos. E não falamos mais em médio ou longo prazo. Esses não existem mais nesses tempos de tecnologias digitais. Nos próximos dois ou três anos a revolução digital que levou pouco mais do que esse tempo para aposentar de vez a centenária película e o padrão de meio século de vídeo analógico, vai completar seu ciclo. Não significa que vá parar por aí. Vai continuar em movimento, mas quem sobreviver e se adaptar a essas mudanças poderá permanecer no mercado e acompanhar a evolução deste nas próximas décadas.

No próximo e último artigo dessa série, vamos falar sobre essas novas tecnologias ja disponíveis e sua importância para a sobrevivência das pequenas e médias produtoras. Não deixe de ler.


Para ler os outros artigos:


Parte 1
Parte 3

Grande abraço a todos!

Marcelo Ruiz

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Marcelo Ruiz

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