21/12/2012

O mercado de pernas para o ar...



O ano chega ao fim e para tentar garantir algum trabalho para o próximo ano, já que aqui em Brasília os meses de janeiro e fevereiro são sempre muito fracos para produções em vídeo, entrei em duas licitações do governo. Sem muitas esperanças, pois esses certames são sempre muito disputados e acabam com preços muito abaixo do razoável.

Mas imbuído do espírito de Natal e na esperança que o bom senso prevalecesse dessa vez resolvi participar. Qual nada. Serviu apenas para me mostrar que a falta de critério, ética profissional e lógica continuam fora de nosso aviltado mercado. Mercado que continua de pernas para o ar. Nesses últimos anos capotamos feio e continuamos a dar piruetas.


Na primeira licitação,  que previa a produção de 26 vídeo-aulas de 40 minutos cada, para um curso de ensino a distância para a Universidade Federal de Brasília, cujo preço médio proposto pela própria licitante era de R$ 87 mil para o conjunto de vídeos, uma produtora arrematou por R$ 21 mil. Uma media de menos de pouco mais de R$ 800,00 por vídeo.

E inclusas no trabalho vinhetas de abertura, trilha sonora, entrevistas gravadas com os palestrantes, inserção de gráficos e demais conteúdos pedagógicos. E ainda a entrega em diversos formatos e com diversas cópias em DVD de cada conteúdo. A segunda disputa não foi diferente, mas foi ainda pior.

Tratava-se de produção de vídeo documentário para o Ministério Público do Trabalho e Emprego sobre o trabalho escravo no Brasil. No edital, com preço médio indicado pelo licitante em torno de R$ 380 mil, era solicitado que a produtora tivesse ao menos duas reuniões de trabalho em Brasília, escrevesse o roteiro, captasse entrevistas com 2 câmeras em alta definição em pelo menos sete cidades brasileiras, com equipe completa. Além disso havia a computação gráfica para criação de vinhetas e trilha sonora pesquisada e original, além da gravação em estúdio, com cromakey, de passagens com locutor/apresentador.

Em 2011 nossa produtor havia feito um trabalho muito parecido para o Ministério da Saúde, porém com menos viagens (cinco cidades brasileiras), mas com o mesmo nível de complexidade e exigências. Sem contar a inflação e aumentos de custos de mão-de-obra e equipamentos, o total gasto somente com a produção ultrapassou os R$ 100 mil. Sem contar lucro, impostos remunerações para mim e meus sócios, que trabalhamos muito no projeto.

Mas então os R$ 380 mil estavam muito acima do valor real da produção? Provavelmente não, mas digamos que esse custo médio pesquisado no mercado, para a preparação do edital estivesse acima do valor real. Qual valor seria esse?
Considerando-se a inflação do período, o maior número de viagens e outros detalhes, orçamos os custos brutos de produção de R$ 150 mil. Acrescentando-se a esses custos o lucro negocial médio de 35%, mais impostos e uma margem de segurança de 10% para imprevistos chegaríamos a um valor final de R$ 250 mil.

E dentro desses cálculos, alguns concorrentes pararam seus lances quando o preço chegou a R$ 280 mil ( nós ainda avançamos mais e paramos em R$ 220 mil) pois menos que isso seria temerário. Pois bem: o lance vencedor ficou em inacreditáveis e insanos R$  82 mil, que foi o valor final ofertado por uma produtora de fora de Brasília. Houve a tradicional chiadeira dos demais participantes, alertas do pregoeiro à vencedora, perguntando se haviam lido corretamente o edital, mas acabou o vencedor aceitando o trabalho.

Como é possível? Que qualidade terá o produto final a ser entregue ao licitante? Mesmo o mais raso dos argumentos, que seria a produção feita por uma microempresa produtora, com dois ou três membros, sócios entre si ou não, isso não estaria dentro das regras. O edital especificava claramente uma equipe mínima composta de produtor, diretor, câmeras, assistentes de câmera, técnico de áudio, assistente de áudio, eletricista, maquinista, maquiador e outros.

Quem é da área e está acostumado a orçar esse tipo de produção, sabe que o valor arrematado simplesmente não fecha. Os próprios pregoeiros responsáveis por essas licitações nos diversos órgão públicos também sabem disso. E ficam preocupados, pois depois de contratado, produzido e entregue o trabalho, área técnica do órgão licitante não fica satisfeita com o resultado. Mas esta não pode interferir ou participar do edital, que geralmente é conduzido por um setor específico da entidade.

O que eu pretendo alertar com esse post? E não se trata aqui de revanchismo, por nossa empresa não ter ganho, pois sabemos bem até onde podemos ir com responsabilidade. Trata-se apenas de alertar para o sucateamento e o desmantelamento de nosso mercado nacional de produção de vídeo. Não podemos esquecer, e todos vocês que me leem sabem, que o preço de nossa mão-de-obra não é barato, que os equipamentos, além de custarem caro, se sucateiam com facilidade, que a obtenção de um nível de qualidade e a melhoria constante desse nível custam muito investimento.

Dentro do preço que oferecemos aos nossos clientes, também devem estar previstos esses custos. Caso contrário, continuaremos a ficar de fora de um mercado que está crescendo, mas que exige cada vez mais profissionalismo e qualidade técnica e artística. As pequenas produtoras, que hoje se dedicam basicamente a trabalhar na área de eventos sociais, por força de novas leis, foram autorizadas a participar de certames do governo em igualdade – e até mesmo com alguma vantagem – com as grandes produtoras, em um esforço do governo para valorizar e alavancar os micro empreendimentos.

Mas não é oferecendo propostas muito abaixo dos valores do mercado que elas vão conseguir crescer. Nos dois casos que expus aqui, finalizados os trabalhos com êxito e qualidade – o que acho muito difícil – o valor líquido que sobrará as empresas vencedoras será insuficiente para que elas possam investir em melhores equipamentos, contratar mais mão-de-obra, capacitar os membros da equipe e se lançarem em projetos maiores.

Com isso quem ganha são as poucas grandes produtoras, que cada vez mais abocanham a fatia gorda desse mercado, que são as produções de cinema, televisão aberta e fechada e os comerciais de televisão de grandes empresas. Esse tipo de comportamento só reforça e cria argumentos para as agências de publicidade, patrocinadores privados e gestores de fundos de apoio à cultura em direcionarem suas preferencias e verbas para um reduzido número de produtoras de porte, que eles entendem serem capazes de abarcar grandes projetos.

Grande abraço a todos!

Marcelo Ruiz

Um comentário:

  1. R$ 280.000,00 MIL PARA R$ 80.000,00.
    Faço idéia o nível do trabalho dessa produtora.
    Ohhhhhhhhhhh mundo cruel e INSANOOOOOOOOOO

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Marcelo Ruiz

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